domingo, 23 de novembro de 2014





BONS TEMPOS, HEIN?

Os anos setenta foram o máximo para quem queria ganhar dinheiro. O país estava encharcado de empréstimos dos árabes. Eles resolveram cobrar pelo petróleo e ficaram riquíssimos. As obras pipocavam em toda  a parte. Como não  havia uma  estrutura jurídica de verdade no Brasil (estávamos sob a égide do AI-5) quem quisesse ganhar dinheiro com obras públicas estava  feito.

O esquema funcionava assim: o cargos chaves do governo eram ocupados por oficiais de  alta  patente. Esses militares tinham limitado  seu orçamento familiar, porque havia um viés moralista nos altos  escalões  do governo. Então as grandes empreiteiras (e até as pequenas) mandavam convite para o general ou coronel, que cuidava do dinheiro público, para grandes festanças, em locais chiques.

Essas festas, mesmo para quem tinha convite, eram caras. Exigiam roupas, sapatos, cabelereiros e mesmo automóveis melhores. Logo, o militar, pressionado pelos  novo status da família, estava enforcado financeiramente. Era aí que entrava o representante da empresa, o doleiro da época.

Trabalhei, como arquiteto, em uma organização federal. Logo ao chegar, me mandaram receber uma obra bem grande. O empreiteiro, muito simpático, me acompanhou. Disse que  era filho de um general muito influente no governo militar, ou "revolução" como era chamada. Falou que tinha se formado em engenharia  metalúrgica, mas viu que  se ganhava dinheiro com obras públicas.

Montou uma empreiteira, cuja organização espacial era uma  pasta zero zero sete. O telefone da empresa era o do  açougueiro vizinho. Logo ganhou uma obra enorme.

Chegamos ao local. O prédio construído era um monstrengo, era impossível enumerar o que estava certo, tal era a tortura das paredes e o mau acabamento de pisos,  esquadrias, etc.

Verifiquei que para receber a obra corretamente, ela teria que  ser posta abaixo, o que era  inviável, tendo em vista que já tinham sido aprovadas as etapas anteriores. Senti a maldade de meus colegas. Lembrei, também, a importante informação  de que o pai era general, destacado membro do governo. Recebi a obra sem nenhuma restrição. Era uma escola e, mais  tarde, seu diretor faria pesadas queixas da qualidade do prédio.

O empreiteiro, jovem como eu, ficou muito agradecido e como amigo, acompanhei sua meteórica  carreira. Em pouco tempo, seus prédios foram ficando  razoáveis. Ele comprou uma  mansão na  zona sul e  uma  mercedes prateada.

Contou-me, uma ocasião que, acidentalmente, ouviu um telefonema de um membro do  sindicato da construção civil em se  combinava o superfaturamente de uma obra, com a licitação arranjada. Ficou sabendo do menor valor e, espertamente, entrou no certame com um preço um pouquinho menor, ganhando a licitação. Seus colegas ficaram furiosos com ele, mas, como era  filho do general, ficou por isso mesmo.

Os membros da organização em que atuava, senhores respeitáveis, a primeira coisa que faziam ao  receber o cargo, era colocar sua amante no mesmo emprego, para controlá-la e  para que fosse paga com o meu, o seu, imposto. Houve um presidente da organização que não  satisfeito de colocar duas  amantes,  empregou marido de uma delas, que era açougueiro. Foi o caso, exemplar, de um corno remunerado.

Como a inflação era alta, todos que podiam, guardavam seu dinheiro no over night, que era uma maneira de ganhar dinheiro com a inflação. Pois esses senhores respeitáveis desviavam enormes quantias  do governo para suas contas pessoais e faturavam no over night até o pagamento da  fatura.

Poderia denunciar a roubalheira, mas para quem? Não havia justiça, a imprensa era amordaçada. O resultado de uma denúncia seria a perda do emprego, com sorte. Sem sorte, o resultado poderia ser bem pior.

Esqueci de contar o que houve  com meu amigo empreiteiro. Reunia os amigos em uma mesa de bar para contar suas conquistas amorosas. Um dia, ao chegar em casa, pegou a esposa com um amante, na cama do casal. Vendeu tudo, menos  a mercedes e transferiu-se para a Bahia. Soube que fez o maior sucesso lá.

Hoje, vejo que aquele pessoal era mero aprendiz de feiticeiro.

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