O Nascimento de Vênus
Quando eu tinha treze anos e morava em Alegrete, minha prima de
dezessete, de Quaraí, foi residir conosco.
Em Quaraí não havia Curso Normal, que formava professoras
primárias na época. Então minha tia, irmã do meu pai, arranjou com minha mãe
para que a filha fosse para Alegrete estudar, hospedando-se em nossa casa.
Fiquei fascinado com a presença da prima, pois ela iria
substituir minha irmã que havia casado e morava em outra cidade. Não foi bem
isso que aconteceu. Aos poucos eu comecei a nutrir por ela sentimentos bem
diferentes dos fraternos, pois era uma moça muito linda.
Eu me apaixonei pela prima, como não podia deixar de ser. O
famoso amor de prima me flechou...
Só queria estar com ela, sair com ela. A moça me dedicava uma
afeição de irmã e descartava polidamente o primo chato, quando queria sair com
suas amigas.
O sentimento foi crescendo e eu ficava cada vez mais
apaixonado em silêncio.
Naquela época em minha casa não tínhamos chuveiro elétrico e,
no inverno,
tomávamos banho em uma grande bacia de alumínio, com água aquecida
no fogão.
Um dia a prima foi tomar seu banho quente e eu fui espiar
pelo buraco da fechadura.
A cena que vi era o quadro de Sandro Boticcelli, “O
Nascimento de Vênus”, que eu havia conhecido no “Tesouro da Juventude”.
Lá estava a prima dentro da bacia de alumínio, nua, linda,
perfeita, cabelos soltos, como a Vênus do quadro.
Para mim não existia mais a bacia nem a prima e sim uma
grande concha de onde Vênus emergia, ladeada de musas...
Foi minha primeira paixão e sofri muito quando ela foi
estudar em Santa Maria.
Meses depois uma amiga minha, que estudava no mesmo colégio
que minha prima em Santa Maria, veio passar as férias de julho em Alegrete.
Fui logo perguntando pela prima, se ela a conhecia, como ela
estava, etc.
Então a amiga inflamou meu coração de treze anos dizendo que
não só a conhecia, mas como ela falava muito em mim e havia me mandado um
presente por outra colega.
Pronto! Saí como louco procurando a casa da tal colega para
buscar o presente, a prova de amor que eu tanto esperava!
Não havia presente algum. A moça não sabia de nada.
Saí pelas ruas chorando e fui sentar num banco da Praça Getúlio
Vargas, onde permaneci vertendo minhas lágrimas, me sentindo o mais infeliz dos
mortais...
Nas férias de final de ano, soube que ela iria passar por
Alegrete em direção a Quaraí, viajando de trem.
Corri para a estação e pude vê-la dentro de um vagão
conversando com seus amigos alegretenses, que também foram matar as saudades.
Tentei chegar perto para abraçá-la, mas
fui impedido por um cara mais velho, seu fã ardoroso, que me fez perceber a
minha insignificante presença.
O trem partiu gemendo apitos e ela me acenou pela janela,
sorrindo, sem jamais imaginar que deixava um coração partido naquela plataforma
de estação.
Anos mais tarde, quando eu viajava para Porto Alegre,
encontrei-a no mesmo trem com um filho nos braços, ao lado do marido.
Alguma coisa estranha bateu forte em mim, mas apenas sorri me
lembrando da minha escaldante paixão de adolescente.
Conversamos rapidamente e cada um seguiu seu caminho.
Pensando bem, o saudoso Maria Fumaça e suas estações foram o
pano de fundo de muitas estórias...
Renato Pozzobon
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